sábado, 24 de março de 2012

VENHA CONHECER O NOVOCINEMANOVO


Não é só a câmera na mão



Tau Tourinho

Lucas Virgolino

Gabriel Lopes Pontes



A Literatura sempre foi a mais barata das Artes.  Que o diga Miguel de Cervantes que, sem uma mão & enclausurado, escreveu nada mais nada menos que o Dom Quixote, obra que, para além de ser orgulho da nação espanhola, com certeza é a maior & mais feliz tradução da sua alma, isto se não for o mais completo, complexo & belo livro jamais escrito. Tolstói dizia que quem retratasse sua aldeia estaria retratando o mundo &, realmente, ele criou personagens suficientes para povoar uma aldeia, enquanto que Balzac foi mais além & imaginou seres que encheriam... um mundo! Ambos não empregaram mais que pena, papel & tinta & a gente fica tentado a se perguntar o que fariam se dispusessem desta máquina de escrever levada às últimas conseqüências que é o computador. Qualquer pessoa alfabetizada & com mínimo domínio do idioma, se munida de um caderno & lápis, pode expôr idéias, purgar sentimentos, contar estórias, emitir opiniões. E não apenas qualquer pessoa. O genialíssimo Mario Vargas Llossa, que finalmente recebeu o Nobel que já merecia há décadas, declarou ao jornalista Ricardo Setti que escreve seus fantásticos livros à lápis!

Pintura & Desenho também não são tão inacessíveis assim, sobretudo se o candidato a artista depreciar o mais “nobre” óleo sobre tela em função de técnicas menos onerosas como bico-de-pena ou aquarela. Depois, então, que Duchamp levou um mictório de botequim para o sacrossanto espaço das galerias & museus, assim elevando um objeto cotidiano, feito por outrem em escala industrial, sem nenhuma intenção estética, só funcional, ao status de obra-de-Arte, é que se expressar plasticamente ficou mais fácil – & barato – ainda. Para corroborar nossas palavras, basta citar o caso de Marepe, que criou muitos dos seus premiadíssimos – & bem cotados – trabalhos artísticos a partir de lixo puro. 

O Teatro, é bem verdade, implica numa produção que envolve cenários, figurinos, adereços, maquiagem, efeitos especiais, iluminação, sonoplastia, em casos mais arrojados uma chorus line & música ao vivo. Mas Lope de Vega já dizia, no siglo de oro espanhol, que, para fazer Teatro, é preciso um texto, um tablado, dois atores, o público & a paixão. Hoje, poderíamos reduzir esta equação da seguinte forma: um texto pré-escrito já não é uma imposição, pode ser todo improvisado; não há verdadeiramente necessidade de dois atores, podendo a peça ser um monólogo; o tablado pode ser a rua mesmo. Imprescindíveis continuariam sendo um ator, o público & a paixão. 

Há sempre a alternativa do baratíssimo Teatro Pobre, proposto por Jerzy Grotowsky, que, ao centrar o fenômeno teatral na relação ator-espectador, desprioriza tudo o mais & com isto reduz os custos. O baiano Ricardo Castro radicalizou esta premissa, realizando o grande sucesso ”R$ 1,99” em que se torna “uma companhia de Teatro de um homem só”. Primeiro vendendo os ingressos, depois fechando a bilheteria, descendo para os camarins & se caracterizando, para subir a um palco nu, onde interpreta sozinho um texto de sua autoria & de onde opera luz & som que ele mesmo concebeu. Um espetáculo tão barato quanto seu título sugere. 

Mas o Cinema... Ah! O cinema sempre foi a Arte bilionária, a Arte cujo custo sempre foi proibitivo. Quantos & quantos artistas de Teatro talentosos não desejaram se transferir pro Cinema & não o fizeram porque só o celulóide necessário pr’um modesto curta, filmado apenas em externas & ambientado na contemporaneidade, sem a necessidade de reconstituição de época, portanto, custava muitas vezes mais que a temporada inteira de um espetáculo de médio porte?

Com a acessibilidade de instrumentos de captação de sons & imagens de qualidade bastante aceitável, este quadro mudou radicalmente. Assim como é possível qualquer pessoa fazer Literatura com um caderno & lápis, criar uma obra-de-Arte com objetos prontos ou sucata, realizar sozinho um espetáculo de Teatro, também se tornou possível qualquer um gravar imagens em cameretas que não custam mais que mil contos, ou mesmo numa camerinha fotográfica ou até num celular bem peba. E os meios de distribuição acompanharam proporcionalmente esta revolução. É canjinha o cineasta de fundo-de-quintal jogar o seu filme idem no you tube, num blog, num site ou copiá-lo em DVD & sair distribuindo aos amigos, que, por sua vez, farão cópias deste DVD para passar para terceiros, que também o copiarão & o repassarão ad infinitum. O próprio encarte do DVD, se o cineasta realmente desejar tamanha sofisticação, pode ser elaborado em seu próprio PC, impresso & copiado em casa mesmo ou na xerocopiadora da esquina. O antes inacessível Cinema, a Arte dos milhões de dólares virou brincadeira de criança, diversão de nerd solitário, passatempo de donas-de-casa entediadas, hobby de aposentados varicocélicos. Esta nova realidade do Cinema talvez seja a prova maior de que a pós-modernidade está rolando com força total. 

Mas se o ato de fazer Cinema se tornou uma tarefa técnica & economicamente  ao alcance de todos – o que é ótimo –, fazer Cinema artisticamente continua sendo um desafio; se expressar através do Cinema enquanto Arte continua sendo tão difícil quanto se expressar através da Literatura, das Artes Plásticas & do Teatro enquanto Artes. 

Aí algum espertalhão dirá: ”Mas o vídeo da minha cozinheira cantando Sidney Magal, que eu gravei no meu celular & joguei na net, é tão Arte quanto o último longa de Almodóvar”. 

Calma aí, meu bom espertalhão, que o buraco é mais embaixo & Immanuel Kant já demonstrou que gosto artístico a gente pode até não discutir, mas qualidade artística pode, pois há parâmetros para o julgamento da obra-de-arte. Os principais desses parâmetros são a Universalidade & a Atemporalidade & se combinam entre si.  Referem-se à capacidade da obra-de-arte de ser assimilada, compreendida, apreciada, por povos de qualquer época & lugar. Por exemplo, “Viagem através do impossível”, de Georges Meliés, pode ser curtido, hoje, cerca de um século depois de ter sido realizado na França, por um estudante japonês, & daqui a um milênio continuará sendo, por cirurgiões nigerianos, punguistas belgas ou esquiadores canadenses. É uma obra-de-Arte. Será que poderíamos dizer o mesmo da nossa hipotética cozinheira? Será que o vídeo da sua performance magaliana não seria apenas uma curiosidade imagético-sonora que se auto-consome no momento mesmo em que é vista & logo cai no esquecimento de quem viu, como a curiosidade bobinha, mas irrelevante, &, sobretudo, despida totalmente de Arte que é?

Nós, do NOVOCINEMANOVO temos militado por um Cinema Pobre que, sob alguns pontos de vista, guarda relações com o Teatro Pobre Grotowskiano. Um Cinema que fuja da obrigatoriedade de investimentos milionários na linha hollywoodiana. Um Cinema que, ao desprestigiar a técnica, valorize o humano. Temos proclamado, com espalhafato glauberiano, que “Em termos de equipamento, quanto pior melhor” & que não queremos que o orçamento de um filme nosso supere jamais o de um churrasco de fim-de-semana. Mas – notem bem – também temos dito que “Cinema não é equipamento, Cinema é inteligência” & que ”Cinema não é feito por máquinas, mas por homens & mulheres que operam essas máquinas”.

O substrato de todas essas declarações, ao fim & ao cabo, é que não achamos que todo Cinema feito nas condições técnicas que defendemos é necessariamente Arte, mas que é preciso usar estas condições técnicas para fazer Arte. A gente não acredita que meramente acionar câmera & microfone & deixar o depoente falar horas a fio, sem nenhuma inventividade, sem nenhuma variação de enquadramento, sem nenhum ritmo, sem nenhuma plasticidade – sem nenhum swing, por assim dizer – seja fazer um documentário com um mínimo de qualidade artística.

Infelizmente, é isto que a gente tem encontrado majoritariamente. Na nossa última reunião, aproveitamos pra ver documentários de todas as partes do mundo que chegaram às nossas mãos. Vimos documentário atrás de documentário & chegar ao fim da maioria deles, embora todos fossem relativamente curtos, foi uma verdadeira tortura. Em alguns casos, chegamos a não entender o que os realizadores pretendiam, &, em pelo menos um dos casos, a não identificar sequer o tema tratado. 

Tecnicamente falando, eram filmes? Sim, na medida em que eram um combinado de imagens animadas & sons. Artisticamente falando, eram filmes? Não, porque não tinham o menor caráter de Arte, nem ao menos aquele caráter de Arte que entendemos que até um filme documental tem que ter.

Quando já estávamos extenuados com tamanha aporrinhação, percebemos que ainda faltavam dois documentários do lote a serem vistos. Trememos nas bases diante de perspectiva tão funesta, mas, pra não encerrarmos a noite sem a tarefa cumprida, resolvemos encará-los, um pouco sob aquela perspectiva de Chico Anísio de que “Tá com merda até o pescoço, afunde que só o cheiro mata”.  Eram dois documentários bem curtinhos, feitos em celular pelo santantoniense Roger Rocha, ambos tratando da restauração de monumentos artísticos de sua cidade. Qual não foi nossa satisfação ao encontrarmos nestes trabalhos, feitos com os mínimos dos mínimos dos recursos técnicos, tudo aquilo que vínhamos procurando em outros, realizados com equipamento mais sofisticado, às vezes até com apoio estatal & privado, por gente que se arvora profissional da Sétima Arte! Estavam lá, nos dois filminhos que conjugavam imagens não tão nítidas assim a uma trilha sonora escolhida com apuro para sublinhar a atmosfera das cenas, a criatividade, a sensibilidade, a inteligência, que, associados, nos proporcionaram o deleite estético que se supõe que toda obra cinematográfica – mesmo documental – deva proporcionar. 

Ou seja: o atual cenário de acessibilidade dos recursos técnicos para captação de sons & imagens na verdade não implica que todo mundo & qualquer um pode fazer Cinema. Apenas implica que todo mundo & qualquer um pode captar imagens animadas conjugadas a sons. Na verdade, o mercado tornou-se muito mais competitivo. Com esta facilidade prática de fazer Cinema, talento, originalidade & criatividade passaram a ser mais diferenciais do que nunca. 

Não é só a câmera na mão.  Câmera qualquer um pode ter & manejar. A questão é como empregar esta câmera de maneira pessoal, criativa & bela. A idéia na cabeça nunca foi tão importante.

Maurice Denis, líder do movimento Nabi, declarou que “Pintar, em última análise, é espalhar certa quantidade de pigmento sobre uma superfície bi-dimensional.” Sim, isto é pintar. Mas este ato de pintar pode ter uma conotação artística ou não. Pode ter um resultado artístico ou não. Qualquer um pode espalhar tinta sobre uma tela. Mas... Isto é necessariamente Pintura, enquanto Arte? O quadro que resulta desta ação física de espalhar a tinta sobre a tela pode ser sempre considerado Arte?

O mesmo pode ser aplicado ao Cinema. Há uma diferença bem grande entre a captura & a ordenação de imagens & sons num discurso & a elevação deste discurso à categoria de uma obra-de-Arte cinematográfica, ainda que documental.

E aí, nós do NOVOCINEMANOVO, sabemos que temos que nos fazer a seguinte pergunta: estamos conseguindo fazer isto com nossos filmes? É muito difícil julgar com isenção, já que estamos envolvidos de tantas formas com nosso trabalho. Talvez a gente esteja cometendo todos os pecados que tanto condenamos & até mais alguns. Só o tempo dirá.

De qualquer maneira, estamos conscientes de que há algo contra o quê nos opormos. Do nosso ponto-de-vista, esta é a condição fundamental para qualquer empreitada artística.



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